RISCO PRECOCE


Com as mudanças nos hábitos de vida, como alimentação inadequada e ausência de atividade física regular, cada vez mais crianças e adolescentes estão sujeitos à aterosclerose, de acordo com uma pesquisa feita na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O estudo, publicado na Revista Paulista de Pediatria, constatou valores alterados de colesterol, LDL-colesterol (“colesterol ruim”) e triglicérides, respectivamente, em 44%, 36% e 56% das crianças de 2 a 9 anos avaliadas. A alteração apareceu em 44%, 36% e 50% das crianças e adolescentes de 10 a 19 anos.

A pesquisa envolveu 1.937 crianças e adolescentes de 2 a 19 anos, de ambos os sexos, de diferentes classes socioeconômicas, atendidos nos ambulatórios do Hospital de Clínicas da Unicamp, no período de 2000 a 2007. De acordo com a autora principal do estudo, Eliana Cotta de Faria, professora da FCM da Unicamp, o objetivo era estabelecer a prevalência de dislipidemias, o aumento anormal da taxa de lipídios no sangue, em uma amostra populacional brasileira ambulatorial de crianças e adolescentes.

Segundo ela, a dislipidemia nessa faixa etária está cada vez mais prevalente, provavelmente devido às mudanças nos hábitos alimentares, à obesidade e ao sobrepeso associados à redução na prática de atividades físicas regulares com o estabelecimento de vida sedentária. “Deve-se sempre enfatizar que existe uma associação entre fatores ambientais e genéticos na etiologia das dislipidemias. Outro aspecto a destacar é o fato de o estudo ter envolvido uma amostra populacional que procurou o serviço hospitalar, o que naturalmente seleciona os casos que espelham a realidade da população geral”, disse à Agência FAPESP.

A pesquisadora afirma que diversos estudos demonstram que a doença arterial coronariana (DAC) se inicia na infância de forma silenciosa, progredindo significativamente com o decorrer dos anos. “O diagnóstico precoce da dislipidemia, cada vez mais freqüente em crianças e adolescentes, é essencial para a prevenção dessa doença, especialmente quando existem na família antecedentes de fatores de risco para a DAC”, salientou. Os índices encontrados podem ser explicados tanto por fatores ambientais como genéticos. Pode ocorrer uma associação entre fatores ambientais e genéticos na etiologia das dislipidemias. Em alguns casos, existem deficiências genéticas familiares em enzimas, proteínas e receptores celulares responsáveis pelo catabolismo dos lípides e lipoproteínas circulantes, o que leva a graves elevações de suas concentrações e que constituem as dislipidemias primárias que são independentes dos fatores ambientais.
“Em crianças, pode ocorrer o quadro grave de pancreatite aguda secundária à elevação de triglicérides. Ressalto que o tratamento e acompanhamento medicamentoso, nessa faixa etária, devem ser reservados aos casos muito graves, aqueles com complicações, e os sem resposta ao tratamento inicial de mudanças de estilo de vida, pois a experiência maior na literatura com os fármacos hipolipemiantes se restringe a adultos”, afirmou Eliana. Os resultados apontaram ainda uma combinação de vários problemas como aumento do colesterol total (hipercolesterolemia), aumento de triglicérides (hipertrigliceridemia) e redução da HDL-colesterol (hipoalfalipoproteinemia, o “colesterol bom”), a lipoproteína que retira colesterol dos tecidos e leva para o fígado para excreção biliar.

“A combinação desses resultados demonstrou a gravidade do problema e um aumento do risco de desenvolver DAC, pois, além de a criança ter uma elevação nos níveis de colesterol e triglicérides, ela tem uma redução da HDL”, disse Eliana. A pesquisadora da Unicamp ressalta que a prevalência da síndrome metabólica (dislipidemia, obesidade e glicose alta) em crianças e adolescentes cresceu muito na última década com aumento nas taxas de sobrepeso e obesidade em crianças entre 2 e 5 anos.
Hábitos saudáveis
Há poucos estudos sobre a prevalência de dislipidemias entre crianças e adolescentes no país, segundo a autora. Os estudos são raros, mas a maioria demonstra alta taxa nessa faixa etária. “Como não é comum a análise do perfil lipídico no sangue entre crianças e adolescentes, poucos centros têm uma amostragem significativa para a realização de um estudo como este”, disse Eliana. De acordo com a professora da FCM, o estudo prosseguirá com a avaliação dos lípides circulantes de diferentes comunidades de crianças e adolescentes na região e no país para quantificar o impacto sobre eles da condição socioeconômica, dos hábitos alimentares e de atividade física sobre o perfil lipídico. “Precisamos implantar programas educacionais nas escolas que enfatizem a importância de hábitos alimentares saudáveis, abolir a obesidade e sobrepeso e da prática de atividades físicas regulares, além de proceder às análises periódicas dos lípides sangüíneos sempre que houver um ou mais fatores de risco cardiovasculares associados e procurar orientação médica especializada para tratamento quando necessário”, destacou.


Fonte: Agência FAPESP