Substâncias presentes no plástico podem gerar ‘curto-circuito’ hormonal...



Elas nos acompanham dos primeiros aos últimos dias de vida. De aparência inofensiva, estão presentes na natureza e em produtos químicos, como os usados em plásticos. Compõem da mamadeira a garrafas PET. Mas são capazes de provocar danos sérios ao organismo com o passar dos anos, alertam cientistas e médicos. Na lista de seus possíveis efeitos estão obesidade, diabetes, infertilidade masculina, câncer e menstruação precoce. Receberam o nome pouco amistoso de desreguladores hormonais, e é exatamente isso o que fazem, causam um curto-circuito nos hormônios.

À frente de estudos pioneiros sobre desreguladores hormonais está a medica Denise Pires de Carvalho, do Laboratório de Fisiologia Endócrina do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Lá, ela e sua equipe investigam como o bisfenol e os ftalatos, dois dos tipos mais comuns de desreguladores endócrinos, afetam a tireoide e o metabolismo. Os resultados das pesquisas indicam uma forte ligação com a obesidade e a diabetes.

A suspeita sobre o bisfenol e os ftalatos não é nova. Tanto que foram banidos nos Estados Unidos e na Europa, com base em estudos populacionais. Porém, no Brasil seu uso é liberado. Inclusive em vasta gama de produtos infantis, como mordedores. Trabalhos como o de Denise, que revelam como é a ação dessas substâncias sobre o organismo, comprovam os efeitos nocivos e abrem caminho para encontrar formas de combater suas consequências.

O Brasil precisa de uma regulação mais forte sobre essas substâncias. A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia tem sido atuante, mas não basta só isso — afirma a médica e cientista.

Em investigação com culturas de células e, depois, com animais, Denise e seu grupo viram que tanto o bisfenol quanto os ftalatos bloqueiam a ação de enzimas chamadas desiodases. Elas são essenciais para que o corpo produza o hormônio tireoidiano T3. Este hormônio está ligado ao crescimento, à memória e à cognição e também é fundamental para o controle do gasto energético. Está presente na gordura marrom, conhecida como gordura do bem, associada à queima de calorias em excesso.

Nossa hipótese é que muitos casos de obesidade e diabetes do tipo 2 podem estar relacionados ao uso de produtos com ftalatos e bisfenol. Na verdade, essas substâncias já foram encontradas no organismo de pessoas obesas e também em diabéticas — explica Denise.

Uma hipótese que os pesquisadores também buscam comprovar é que os desreguladores hormonais podem ser transmitidos através das gerações. Desde os anos 70, tem sido observada maior incidência de casos de infertilidade masculina, menstruação precoce, cânceres de testículo e tireoide, além de obesidade e diabetes do tipo 2. A presença cada vez maior dessas substâncias no cotidiano é vista como uma das possíveis causas.

Ainda há muito o que estudar. Temos investigado substâncias presentes em plásticos, mas inseticidas domésticos e pesticidas também as contém. São muito comuns e afetam o corpo de numerosas formas — salienta Denise.

O grupo dela estuda o impacto dos desreguladores na tireoide. Mas há muitas outras implicações.

Um dos trabalhos que será apresentado aqui mostra os efeitos dessas substâncias no risco cardíaco. Conhecer esses compostos melhor é uma questão fundamental de saúde pública — diz a pesquisadora

Fonte: O Globo